sexta-feira, 18 de março de 2016

Ruínas de São Miguel Arcanjo - 7 Povos das Missões - RS

Em frente e enfrentamento.
Seguir em frente sem deixar o passado. 
Enfrentamento para sobreviver. Assim é o sul que tenho conhecido. Lugar de tantos conflitos históricos e povos tão distintos. O passado aqui é presente e o enfrentamento está no dia-a-dia das pessoas que ainda carecem lutar para sobreviver. A geografia, o clima e a história nos mostram que “enfrentar” e “seguir em frente” faz-se necessário, pois o perigo é iminente. Viver é perigoso. Érico Veríssimo retratou muito bem esse enfrentamento nas suas histórias romanceadas, com muita poesia e passionalidade de seus personagens, tão reais e tão criados. E por falar em passionalidade, eis que a Espanha está no Rio Grande do Sul, assim como Portugal está no Rio de Janeiro. (comparação minha). O Rio Grande do Sul começou espanhol e São Miguel das Missões mergulha nessa certeza. Viajantes amantes de história, tenho que dizer: foi um presente descobrir esse roteiro. Tomei conhecimento a pouquíssimo tempo que minha bisavó era índia e meu bisavô era espanhol. O que me causou um frisson danado, considerando minha paixão pela Espanha, a incessante curiosidade sobre a história e religiões e a necessidade de entendimento dessas misturas do Brasil. Eu estive lá. Eu vi.

As Missões
Conhecidas como “Uma utopia do Cristiano em construir uma terra sem males”, foi uma realidade. Foram 30 missões espanholas jesuítas (entre 1600 a 1700) distribuídas na Argentina (15), Paraguai (8) e Brasil (7), que existiram com o propósito de “civilizar” e “catequizar” índios Guaranis que tinham migrado para o Sul do país. Os Jesuítas se instalavam com as missões cujo modelo de organização social permitia preservar os valores indígenas e estabelecer códigos de ética que proporcionavam uma melhor aproximação deles com o “homem branco” e ainda doutrinava-os para o cristianismo.
No Brasil tivemos os Sete Povos das Missões. O Tratado de Tordesilhas dividia as terras entre Portugal e Espanha e o Rio Grande do Sul pertencia à Espanha, onde existiram os 7 Povos das Missões. Eles ficavam em São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio, todos fundados entre 1682 e 1.700. Essas Missões também protegiam o povo indígena que constantemente era ameaçado e escravizado pelos bandeirantes portugueses na região, apesar da região ser da Espanha. 
Dos 7 Povos das Missões, São Miguel Arcanjo está muito preservado sendo o mais importante sítio arqueológico no estado e declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, junto com ruínas no Paraguai, Argentina e Bolívia.  A organização urbanística de uma Missão (em cruz) tem uma lógica social e administrativa impressionantes: A praça era o ponto central onde havia jogos, reuniões desfiles militares, discussões e debates. O Conselho dos Caciques (que representava os interesses de seus grupos indígenas e tomavam decisões conjuntas para o povoado) ficava bem à frente da praça e da Igreja. 
Nesses povoados tinham tudo: cultivo, escola, impressão de livros e até observatório astronômico. As famílias eram organizadas em casas privadas e divididas de acordo com a estrutura familiar. O objetivo era evitar a poligamia. Cada casa abrigava uma quantidade máxima de pessoas. As mulheres e crianças sem família tinham moradias separadas (para evitar a violência).  A rua central era o meio da cruz. A igreja (construída pelo padre João Batista Primoli) teve somente trabalhadores na construção operários indígenas.  
Cada família tinha seu pedaço de terra para cultivo e também produzia no cultivo coletivo. Essa ideia de uma sociedade colaborativa por um tempo funcionou. Mas Portugal e Espanha, sempre em conflito, decidiram uma partilha. Lá pelos idos do século XVIII, é assinado Tratado de Madri (1750) que trocava a região dos 7 Povos das Missões para Portugal e da Colônia do Sacramento para Espanha. 
Os Jesuítas espanhóis e indígenas tinham que se retirar, porém, essa não era a vontade deles. Portugal e Espanha se unem para combatê-los, culminando a famosa Guerra Guaranítica que, lamentavelmente, dizimou toda uma história, os índios e deixou um rastro de destruição e sangue. A Companhia de Jesus foi expulsa de terras portuguesas e espanholas.  Fim do modelo missioneiro. Meados de 1800 Portugal anexou o Rio Grande do Sul, encerrando o ciclo espanhol no Brasil e os 7 Povos das Missões foram incorporados ao território. 
Toda essa história me foi contada pela Vera Lucia Dreilich, uma guia apaixonada. Caminhando pelas ruínas, ficamos amigas pela história.
SEPE TIARAJU – O Herói das Missões 
Ele ainda vive em todos os cantos da cidade.  Sepé nasceu em uma aldeia que foi atacada quando criança, deixando-o órfão. Os guaranis levaram-no para uma aldeia dos Sete Povos das Missões, onde foi adotado. Seu avô adotivo era um pajé muito poderoso e ele foi preparado para ser um pajé, mas acabou se tornando um guerreiro por causa da sua memória de revolta com os homens brancos.  Foi o grande líder da Guerra Guaranítica (de 1753 a 1756) que teve como estopim o conflito frente à assinatura do Tratado de Madrid por Portugal e Espanha e a expulsão dos índios da região. Sepé Tiaraju é lembrado grande líder e guerreiro, que enfrentou Portugal e Espanha e ficou famoso pela frase “Esta terra tem dono”, como resposta à expulsão declarada. Em 1756, na batalha de Caiboaté, Sepé Tiaraju morreu em combate, provavelmente numa emboscada. Depois disso, a história e a lenda se confundem: seu corpo nunca foi encontrado.



E onde entra Lúcio Costa?
Em 1937, o arquiteto Lúcio Costa (na época diretor de recém-criado SPHAN) foi convidado fazer o levantamento para preservação e recuperação das missões do Rio Grande do Sul, principalmente o sitio da igreja de São Miguel Arcanjo. Uma de suas propostas foi criar um museu para abrigar os objetos encontrados dispersos na região. Lucio Costa projetou o museu similar à casa missioneira, bem como se utilizou dos materiais das ruínas para construí-lo. Hoje o acervo abriga objetos e artes sacras conhecidas como “Barroco Guarani”, cuja representação ficou assim conhecida porque o rosto dos santos pareciam índios. Os índios (que aprendiam a esculpir com os padres) repetiam suas feições nas imagens. 
E olhando a maquete da organização da Missão observei que a ideia da cidade em cruz com uma organização social e urbana me lembraram muito a cidade que o próprio Lucio Costa projeto urbanisticamente (Brasilia).  Não posso afirmar se houve inspiração porque não vi nada registrado na história de Brasília, mas estou bem convencida dessa possibilidade.  
À noite é obrigatório ficar para o espetáculo e luz e som. A saga dos Guaranis e Jesuítas é narrada por vozes famosas (Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Paulo Gracindo, etc...) que interpretam os diversos personagens que são partes da memória.








Valter é um anjo e o mentor idealizador do Ponto de Memória, um projeto que emociona. Lá ele reúne objetos que fazem referência à história da região missioneira, seus habitantes e a presença de indígenas e imigrantes espanhóis. Um espaço mantido por ele com elementos e artefatos utilizados pelos que viveram lá entre os séculos XIX e XX, pós-expulsão dos jesuítas. Fui presenteada com uma aula de história e também com o ritual da Erva Mate. O local tem um espaço de casa de reza com todos os elementos para rituais de benzimento e purificação. “Água e fogo se juntam com a fumaça sagrada e aromas dos incensos”. Valter tem na sua memória os vários rituais indígenas que aprendeu com seus antepassados. Desde menino ele aprendeu a lidar com esses rituais.  
Finalmente descobri a origem do chimarrão e desse costume tão arraigado no Gaúcho: os guaranis já usavam a erva-mate na época que os espanhóis chegaram, juntamente com outras bebidas de efeito. 
O consumo tentou ser proibido pelos jesuítas, mas mudaram de ideia porque era melhor manter o consumo da erva-mate para descontinuar o consumo de bebidas alcoólicas pelos índios. Essa era uma bebida de coletividade e compartilhamento dos índios em rituais comunitários.  E vamos nos manter atentos, pois o Valter está ficando mais famoso: ele irá carregar a tocha olímpica na abertura das Olimpíadas junto com um Cacique, saindo das ruínas de São Miguel. Pensa num homem feliz?
Fechando o dia de cultura popular, dei uma passadinha na casa da D. Alzira, uma linda e simpática benzedeira da região que mantém viva a tradição e que sempre está de braços abertos..





E Como chegar nesse paraíso?
O acesso de ônibus é possível, de Porto Alegre até Santo Ângelo O ideal é fazer o roteiro completo das Missões que inclui Argentina e Paraguai, além do Brasil. A Missões Turismo,  do sr. Antonio Camargo oferece esse serviço com muita qualidade e simpatia. Ele mesmo é uma história viva. Cada minuto de prosa, uma vida inteira.
Mesmo de carro, fazer esse roteiro sem guia não vale a pena. A riqueza de detalhes da história é o ponto alto da viagem. Caso contrário, seriam só belas fotos.
É isso, meus amigos, o que encontrei nessa viagem tão perto e tão profunda de conhecimento?


A amplidão de céu, onde desfrutei da sensação de ter espaço (como em Brasília). Uma energia forte deixada pelos índios e um misticismo e devoção à natureza, onde o fogo é divindade e sagrado. Um encontro com a solidão ao caminhar e ouvir com perfeição o “nada” ou “meus pensamentos”, que se alimentam de descobertas. Encontrei muito chão, o que faz pensar nas várias opções de caminhos. E a melhor forma de traduzir essa viagem? Lembrando de uma frase que me foi presenteada e que não me sai da cabeça de jeito nenhum......“Sin Raízes no hay alas*”.

*esta frase, na verdade, é o nome de um livro que minha professora de flamenco e amiga Ana Medeiros me indicou há algum tempo. Essa busca pela história e pelas conexões faz parte desse livro que aborda as Constelações Familiares. Ainda não li o livro, mas essa frase não me sai da cabeça.

4 comentários:

  1. Oi Andrea. tudo bem? Onde vocês ficaram em São miguel das Missões? Foi no Tenondé?

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  2. Ola!!!! sim, fiquei no Tenondé....em São Miguel só tem 2 lugares de hospedagem...a Pousada das Missões e o Tenondé. Hospedagem muito boa.

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  3. Oi Andréa, parabéns! Ficou tudo muito lindo e as fotos então!!! Foi maravilhoso, vc me contou muitas histórias tb! Grande abraço Missioneiro!Véra- Guia de Turismo

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  4. Legal! seria legal por na postagem o link para a página do Tenondé, assim fica mais facil dos visitantes encontrar.

    www.tenonde.com.br

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Agradeço seu comentário. Andrea Pires

Visite Brasília

Andrea Pires

Com Salto&Asas é um lugar de verdade, onde compartilho as memórias das viagens que mudaram minha vida e que me transformam diariamente. Sonhar, Planejar e Realizar, o melhor caminho para ter o Mundo nas Mãos! comsaltoeasas@gmail.com

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